Um tenista profissional que não tem o desejo de participar de ao menos um Grand Slam ao longo da vida demonstra ou uma improbabilidade estatística ou uma consciência clara de suas próprias limitações.
Essa realidade se reflete no universo da corrida amadora, onde um maratonista que tem um desempenho razoável e recursos financeiros, por exemplo, pode nunca ter o desejo de competir na maratona de Boston.
Um corredor com essa falta de ambição é difícil de encontrar.
Boston é a culminação do fetichismo. Se a meta para um homem mais velho é correr uma maratona, Boston é a corrida em que ele realmente se entrega, o lugar onde o corredor se apresenta no pórtico de largada vestido de forma extravagante.
Essa é a maratona mais tradicional do mundo, com 129 edições realizadas, além de uma versão virtual durante o auge da pandemia de SARS-CoV-2.
Um amigo da coluna, Tadeu Guglielmi, 60 anos, também nutre uma certa obsessão pela prova, embora prefira chamar isso de necessidade de cumprir seu plano: “Não se trata de obsessão, mas de um compromisso com um projeto. Boston está no meu regulamento”.
Os termos “regulamento” e “projeto” se referem à meta que ele decidiu abraçar na segunda metade de sua vida: correr cem maratonas, todas em localidades icônicas, seja pela beleza do ambiente, seja pela grande notoriedade da prova. Entre os locais mais bonitos estão Ilha de Páscoa, Banff e Jungfrau; em termos de prestígio, Nova York, Berlim e Uberlândia.
Tadeu já completou 87 maratonas, mas Boston ainda é uma incógnita. Para se inscrever, não basta pagar; é necessário alcançar um tempo mínimo em outra maratona, que varia de acordo com a idade.
No entanto, para Boston, a demanda frequentemente supera a oferta, e cumprir o critério de elegibilidade pode ser insuficiente.
Tadeu tem tentado uma estratégia alternativa: há anos participa de provas em descidas, que exigem esforço muscular, mas que supostamente são mais rápidas.
Ele já correu as maratonas Big Cottonwood e St. George, ambas em Utah; Monte Charleston, em Nevada; Mendoza, na Argentina; Granada, na Espanha; sua 86ª e penúltima maratona também teve uma altimetria favorável, a Tunnel Vision Marathon, nas proximidades de Seattle.
Embora tenha completado esta prova em 3h47min09, quase três minutos abaixo do tempo limite de Boston para sua faixa etária, Tadeu está pessimista, pois acredita que a concorrência mais uma vez poderá ser intensa – 33.267 inscritos para um número de vagas ainda não divulgado. No ano anterior, Boston recebeu 31.670 inscritos.
Se a preocupação de Tadeu estiver correta, ele terá motivos para ficar ainda mais inquieto. A inscrição para a edição de 2027, que já se iniciou, apresenta uma dificuldade extra para quem usa a estratégia das descidas.
Agora, provas com altimetria de 457,2 a 914 metros de descidas adicionam cinco minutos ao tempo final; de 914 a 1.828 metros, o acréscimo é de dez minutos; para distâncias maiores, eles simplesmente desconsideram.
Pelo menos Tadeu pode se consolar ao ver que, na Tunnel, conquistou recentemente o terceiro melhor tempo de suas quase noventa maratonas. “Após várias tentativas frustradas, mudei minha alimentação, minha rotina de treinos e o volume de exercícios. E, com essas mudanças, após 20 anos, consegui manter um bom ritmo”.